Monoteísmo Ancestral
Por Ben Chai
Muito antes de haver religiões, sistemas doutrinários ou interpretações teológicas, havia um estado de pureza primordial: a Consciência Original no Éden.
No tempo de Adam Kadmon, a relação com o Criador não era mediada por rituais complexos, textos escritos ou intermediários religiosos. Deus não era um conceito abstrato ou uma ideia debatida, mas uma presença viva e palpável, percebida no sopro do vento, no brilho da luz, no canto dos pássaros e no pulsar da vida.
O Éden não era apenas um lugar físico, mas um estado de consciência no qual o ser humano vivia em perfeita sintonia com a natureza e com o Sagrado. A criação inteira era um templo, e cada elemento — da menor semente à mais alta montanha — revelava a assinatura do Uno.
Nesse contexto, a árvore da vida não era apenas um símbolo místico, mas um elo direto com a força vital do Criador. Não havia separação entre o espiritual e o material, pois tudo era expressão do mesmo princípio divino.
Essa consciência original se manifestava na forma de percepção plena, onde o homem reconhecia que fazia parte de um todo sagrado, e que seu papel era preservar, cuidar e se harmonizar com a criação. Era um monoteísmo puro, não sistematizado, onde a fé não dependia de palavras, mas de vivência e presença.
Com o passar dos milênios, essa conexão direta foi se perdendo, dando lugar a estruturas e sistemas religiosos que, embora tenham preservado fragmentos dessa verdade, muitas vezes obscureceram a simplicidade e a profundidade da experiência original. No Monoteísmo Ancestral, buscar essa consciência do Éden é, ao mesmo tempo, um retorno às origens e um avanço espiritual — um reencontro com a essência perdida.
O Éden, na perspectiva do monoteísmo ancestral, não deve ser interpretado apenas como um lugar físico perdido na história, mas como a representação de um estado de consciência elevado, puro e integrado à totalidade do sagrado. No tempo de Adam Kadmon — arquétipo do ser humano primordial — a experiência de Deus não passava por teorias, dogmas ou intermediários. O divino não era objeto de estudo, mas realidade imediata, vivida e sentida.
O contato com Deus acontecia por meio da criação. Cada folha, cada fluxo de água, cada ciclo natural era percebido como expressão direta do Uno. A natureza não era apenas o cenário da vida, mas o próprio templo vivo, e o homem era seu sacerdote natural. Não havia separação entre o sagrado e o cotidiano, pois tudo era manifestação da mesma origem. Nesse estado, a consciência humana não estava fragmentada; ela reconhecia instintivamente o fluxo harmonioso que ligava todas as coisas.
Esse nível de consciência original pode ser compreendido como uma percepção não mediada. Não havia necessidade de provas racionais da existência de Deus, pois Ele era tão evidente quanto a própria existência. A mente não especulava sobre quem era Deus, ela simplesmente se movia em sintonia com Ele. Essa condição de unidade é simbolizada pela “árvore da vida” — não apenas um elemento botânico ou místico, mas a personificação da própria fonte de energia espiritual que sustenta toda a criação.
A queda, portanto, não representa apenas a perda de um território, mas a ruptura dessa comunhão imediata. A partir do momento em que a consciência humana se desconectou da percepção direta do sagrado, foi necessário criar narrativas, rituais e estruturas para tentar relembrar e recuperar essa ligação. Contudo, essas estruturas, com o tempo, transformaram-se em sistemas rígidos que, em muitos casos, afastaram ainda mais o homem de sua origem consciente.
No monoteísmo ancestral, o Éden permanece como símbolo e meta. Ele aponta para a possibilidade de restaurar, ainda nesta vida, uma forma de consciência capaz de perceber Deus em todas as coisas, de viver a espiritualidade não como um conjunto de normas externas, mas como uma comunhão interna e permanente. Essa restauração não se dá por meio de uma volta física a um lugar, mas pela reintegração do ser humano com a natureza e consigo mesmo, recuperando a sensibilidade para ver o Criador no vento, no rio, no olhar de outra pessoa e até nas pequenas sincronicidades do cotidiano.
Retornar à consciência original do Éden é retornar à simplicidade profunda — aquela que não depende de provas ou debates, mas da experiência viva. É entender que a criação não é um vestígio distante do divino, mas sua presença constante. É reconhecer que, antes dos livros, antes das tradições, antes das religiões institucionalizadas, existia essa comunhão primordial, e ela continua acessível para aqueles que buscam, com sinceridade, reconectar-se à fonte de toda a vida.
O Éden não é apenas um mito distante, mas um mapa espiritual que nos convida a relembrar quem realmente somos. A consciência original vivida por Adam Kadmon não desapareceu — ela foi apenas encoberta por camadas de racionalidade excessiva, sistemas religiosos rígidos e um afastamento crescente da natureza. O monoteísmo ancestral reconhece que a maior prova de Deus não está nas bibliotecas, mas na experiência viva que resgata essa conexão perdida.
Retornar a essa consciência não significa rejeitar o conhecimento ou as tradições, mas reorientá-los para o seu propósito inicial: manter a humanidade unida ao Criador por meio da criação. É um chamado para que cada pessoa se torne novamente sacerdote de sua própria existência, cuidando da terra, honrando a vida e percebendo o divino na simplicidade.
A restauração do Éden é uma jornada interior, mas seus frutos são externos e palpáveis: mais respeito, mais compaixão, mais equilíbrio. Ao recuperar essa consciência, não apenas tocamos o sagrado, mas nos tornamos expressão dele. É o retorno ao Uno, não por imposição, mas por reconhecimento. É o início de uma nova etapa da humanidade, enraizada na mais antiga das realidades: a presença viva de Deus em tudo e em todos.