Monoteísmo Ancestral
por ben chai
Quando olhamos para as origens da espiritualidade humana, antes que houvesse religiões institucionalizadas, encontramos uma forma de fé radicalmente simples e profundamente enraizada na vida cotidiana. Esse estado primordial, que chamamos de espiritualidade pré-religiosa, não se baseava em textos escritos, hierarquias clericais ou códigos jurídicos, mas numa experiência direta e imediata do sagrado.
O homem ancestral não conhecia a fragmentação moderna entre “vida espiritual” e “vida comum”. A própria existência era espiritual. Comer, plantar, colher, caçar, contemplar o céu noturno — tudo estava envolvido numa relação de reciprocidade com a criação, percebida como a manifestação viva de um Criador único. Era um tempo em que o “templo” não tinha paredes, o “altar” era a própria terra e o “sacrifício” era o ato de viver em harmonia com o Todo.
Dentro da perspectiva do monoteísmo ancestral, esse período não era um “pré-monoteísmo” no sentido de ausência de consciência de um Deus único, mas sim a sua forma mais orgânica e não mediada. A noção de um Criador estava implícita na ordem e beleza da natureza, na sincronia das estações e no instinto moral que orientava a vida em comunidade. Não havia necessidade de explicar Deus; Ele era evidente como o ar, como a luz do sol, como a água que brota da terra.
Essa fase da história espiritual da humanidade carrega consigo uma lição fundamental: a experiência direta do divino é anterior a qualquer sistema teológico. É nesse sentido que o monoteísmo ancestral propõe um retorno não à ignorância, mas à consciência plena, onde o contato com Deus é tão imediato quanto o pulsar da vida. Antes que viessem os livros sagrados, vieram as árvores. Antes que surgissem as leis escritas, vieram as leis do céu e da terra, inscritas no coração humano.
A compreensão dessa espiritualidade pré-religiosa é essencial para redescobrirmos a fé como experiência vivida, e não apenas como ideia concebida. É nesse ponto que se revela o núcleo de toda devoção genuína: a união entre o ser humano e o Criador, sem barreiras, sem intermediários, numa comunhão que antecede as palavras e transcende as formas.